Arquitetura da Informa��o (em Portugu�s)

["Cassiano > Matriz [listas]" <listas AT matrizmkt.com>]

On 11/1/07, mauro pinheiro < mauro.pinheiro AT gmail.com> wrote:

.... Essa citação do Abel... me parece uma referência ao trabalho do Zygmunt Bauman, sociólogo cuja análise da sociedade contemporânea utiliza exatamente essa metáfora.

Mauro, este seu texto coloca essa conversa num nível raro de profundidade. Não me preocupei em escrever pouco, afinal, só lê quem estiver a fim.

Sobre essas citações, gostei da idéia líquida porque sempre vi a informação como algo escorregadio, mas nunca havia pensado dessa forma. Mas, na boa, não gostei do pouco que li sobre os autores citados, nos links postados pelo Daniel. Muita viagem para o mesmo gosto.

... ponto que para mim ficou obscuro ... sobre a visão editorial na
construção dos sites... há um componente "tecnológico" que, me parece, escapa dessa visão
editorial... .... ao contrário de outras mídias, a web pressupõe uma atitude ativa... A busca é talvez a ferramenta mais importante da web...

Vejo assim: todas as mídias sempre requisitaram algum esforço do usuário. Mesmo as mídias impressas requerem um componente básico: é preciso saber ler. Parece pouco, mas isso é quase como saber dominar um software, um "ambiente operacional", não?

A questão tecnológica sempre existiu, a web apenas complica um pouco mais as coisas. Vejo esse estranhamento como, guardadas as proporções, o que existiu frente ao rádio e aparelhos de tevê, nos primórdios. Sem contar o telefone, o carro, maria-fumaça... Minha filha conheceu um telefone de disco aos, sei lá, dez anos e fez uma cara muito estranha, tentando entender como funcionaria esse hardware...

Mas, sim, as mídias impressas exigem maior pró-atividade do que as mídias tevê e rádio. E a web exige tb seu quinhão. Mas, na essência, a única característica realmente nova da web é o aprimoramento do canal de resposta — a tal interatividade —, algo que sempre existiu em jornais, rádio e tevê, mas que a web amplia.

Sem dúvida concordo com o vigor do lado tecnológico da web que vc aponta, por isso entendo que o trabalho da AI tem maior proximidade com o desenho industrial (DI). Os problemas que envolvem o desenho industrial — forma e função — são muito mais impactantes, ao meu ver, do que os problemas de organização da informação segundo os moldes propostos pela ciência da informação/biblioteconomia (que chamo aqui de CI). Adiante, uso um exemplo enorme para tentar esclarecer onde entra a tal "visão editorial".

Como encontrar informação relevante na web? ... me lembro de um
momento no painel em que Cassiano disse que isso era um trabalho que o
Google resolveria. Mas o Google é limitado, e sua interpretação sobre
a relevância do site depende, entre outros fatores, de como o próprio
site é construído.

Esse ponto foi muito mal entendido, no Ebai. Não pude deixar mais claro na mesa, em virtude do tempo, e o assunto tomou um outro rumo. Me referi ao Google e à nuvem de tags como uma solução para buscar informação *DENTRO de um site corporativo* — uma solução melhor do que o trabalho de rotulagem e classificação, ao meu ver. Estava respondendo a uma questão que citava a dificuldade das pessoas "encontrarem" um determinado artigo numa organização.

Uma ferramenta de busca é uma forte opção frente às estratégias de organização defendidas pela biblioteconimia. Se a opção "google" está disponível, por que investir em outra?

Basta fazer o teste: num sítio gigantesco como o do IBGE, o exemplo daquele dia, ao se propor um desafio para um pesquisador, um bom sistema de busca será sempre mais eficaz, num primeiro momento, do que navegar por um enorme menu.

Para ilustrar a função editorial: vamos supor uma multinacional da indústria química dos anos 50/60 que decidisse consolidar todo seu conhecimento científico, traduzido por 10 mil artigos produzidos por diversos países. A empresa contrataria um trabalho de CI para ler, classificar e catalogar todos os artigos, de modo a produzir um índice que resumisse tudo, para ser distribuído aos escritórios regionais.

O mesmo problema, visto hoje, seria resolvido sem qualquer classificação ou rotulação. Bastaria abrir um diretório, colocar todos os arquivos em algum tipo de processador de texto, e criar um bom "google interno". Não entendo porque a CI propõe algo do século passado, baseado num ambiente tecnológico que hoje pode ser substituído pela ferramenta de busca. Essa é essência do que afirmei.

Não preciso classificar um artigo sobre a carnaúba para encontrá-lo. Basta digitar numa interface os termos que julgo inerentes a esse assunto: carnaúba, plantas equatoriais, vegetação brasileira... O trabalho do CI existiria, mas com a função de inserir palavras-chaves nesse documento de texto, se fosse o caso.

Feito isso, aí entra a tal mão do editor, que na verdade já estaria à frente de um projeto como esse desde o início, claro. Um acerto on-line de 10 mil artigos científicos é suficiente para gerar milhares de pautas, com os mais variados enfoques. Em certos aspectos, é muito mais criativo para a equipe mundial da empresa, potenciais usuários do acervo, conhecer histórias de aplicabilidade da carnaúba no desenvolvimento de um projeto na Índia ou coisa assim. Esse trabalho de buscar relevância nas coisas, inclusive triado pelo planejamento estratégico mundial da empresa, é o cerne do tal pensamento editorial.

Esse é um exemplo extremo, claro. Mas é uma amostra que como o trabalho editorial *começa* quando o trabalho de CIs e AIs, de certa forma, termina. O trabalho editorial é o prato do dia. E isso não cai do céu.

.. Ele pode ser o MELHOR site sobre determinado assunto, mas se não houver um
conhecimento técnico de como construí-lo, poderá ficar soterrado na
lista de resposta de uma busca no Google...

Não vejo assim, pelo seguinte motivo: inverta a equação e o resultado não confere. Se vc tiver um site com o *melhor* conhecimento técnico de construção, mas sem um bom conteúdo, o tal site será irrelevante e estará entre duas possibilidades: conseguir uma listagem alta, mas efêmera, até as pessoas perceberem suas deficiências ou, efetivamente, nunca conseguir melhor posição nos buscadores frente a um sítio com uma construção não tão boa, mas editorialmente competente.

... exemplo... o National Cancer Institute... um site com vários "mini-sites"... as pessoas que têm um câncer muito específico não costumam buscar por "cancer", e sim por  "câncer de mama"... nesse caso, o site ... ficava com uma relevância baixíssima.... Não se tratava de um problema do conteúdo dos mini-sites ... Mas de como eles foram construídos... Por melhor que fosse o trabalho "editorial"... há um componente que escapa dessa visão... isso tem toda relação com o trabalho de a..i.., que tem um "pé" na tecnologia, outro no estudo do comportamento do usuário...

No caso acima, o Morville sequer se preocupou com a questão editorial pois ela já é resolvida, amparada por uma economia 20 ou 30 vezes maior do que a nossa. É página virada, por lá. Esses caras, como o Bauman do modernidade líquida, nem percebem o tamanho do problema. Eles vivem numa certa luxúria :) É como se o Morville fosse dar aula de estilo literário para uma classe de Harward. São pequenos ajustes, pois a gramática, o básico, está resolvido.

Aqui, não: nossa infra social e empresarial é muito aquém, em tudo. Nossos clientes corporativos têm questões básicas não resolvidas e uma delas é a dificuldade de gerar conteúdo relevante, quando isso for relevante para os objetivos mercadológicos. Para isso, é preciso se organizar editorialmente. Não que essa dificuldade não aconteça em países desenvolvidos. Mas penso que uma das nossas funções como especialistas é alertar o cliente a respeito dessas questões. (... Dispersei... :)

.....

Em suma: nas mídias, conteúdo e tecnologia andam sempre juntas. Mas precisam de um cérebro para dizer para onde essas pernas devem andar. E, não me levem à mal, não é o trabalho de CI que fornece esse aparato mental, é o trabalho editorial.

Não estou dizendo que o trabalho da CI não existe, apenas que o foco em muitos casos não é o mais adequado, aliado ao fato de que faltará um belo pedaço para as coisas andarem a contento se vc entregar apenas um sítio tecnicamente bem-feito e organizado. Faltará a cozinha e o cozinheiro responsável pelo prato do dia.

E quanto à AI, o Ebai realmente me fez consolidar essa visão de proximidade com o pensamento de desenho industrial. Aliás, devo esse insight a várias coisas, inclusive as que vc mesmo colocou na sua palestra.

abs!
Cassiano

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